Aqui há uns tempos, numa conversa casual com um
formando, este perguntava-me o que é que eu estava a estudar na universidade. À
minha resposta, Educação de Adultos,
o formando reagiu com uma expressão pensativa, revirando os olhos para cima
como quem tenta imaginar um objeto distante e estranho. Deve ser uma coisa interessante, acabou por comentar. Perante o meu
esclarecimento de que Educação de Adultos
era precisamente o que tínhamos vindo a fazer ao longo das sessões de formação que
eu dinamizava e ele frequentava, pelo que ele próprio, enquanto formando,
estaria em posição de dizer se era, ou não, interessante, este ficou
notoriamente confuso: não, o que temos
feito é formação, é diferente… Não, não é diferente. Haverá, certamente,
formações que não são educação. Certamente terão objetivos e métodos
inteiramente diferentes daqueles que me orientam. No meu caso, e no âmbito
particular daquilo que ensino, aquilo que faço só pode mesmo ser educação.
Vários fatores podem explicar a perplexidade do meu
formando: o mais importante é de natureza sociológica. De facto desde os
séculos XVII e XVIII tem-se consolidado, a par da própria ideia de infância, a
delimitação de um espaço social destinado às crianças. Esse espaço é,
naturalmente, o espaço da educação, tido como uma instância de preparação para
as exigências da vida adulta em sociedade. A educação acabaria, assim, por ser
reduzida a uma relação de sinonímia com a escola. Nada contra a escola,
entenda-se: no entanto, a educação é muito maior que ela. A outra ideia, a de
preparação, é igualmente errada. De facto, qualquer pessoa adulta sabe que a
vida é demasiado complexa e imprevisível para que uns meros anos de escolarização
nos preparem para ela. Mas a ideia sofre de uma enfermidade ainda pior: a noção
implícita de que a vida é uma coisa que está algures no futuro, à nossa espera
e que, de certo modo, já está definida, cabendo-nos a nós, pupilos obedientes,
prepararmo-nos para ela. Assim, findos os anos dedicados à educação,
receberíamos um atestado de maturidade que nos abriria um lugar na sociedade
condicente com o nosso desempenho escolar: fim de história.
De facto, a educação é muito mais do que isto (e a
história, diga-se de passagem, muito mais longa e complicada). O quê,
concretamente? John Dewey, claramente um empirista, propõe uma definição de
educação que se baseia no critério da experiência humana. A educação é, nas
palavras do filósofo americano a
reconstrução ou reorganização da experiência que acrescenta ao significado da
experiência e que aumenta a capacidade de comandar o rumo da experiência
subsequente (Dewey, 2011 [1916], p. 45). A esta constante reestruturação experiencial preside um
objetivo profundamente orgânico e intimamente impresso na natureza humana:
crescer. A questão que se coloca é a seguinte: há um limite para o crescimento?
Há algum momento na vida humana em que se chega a um ponto máximo de
maturidade? Há algum standard social
de ajustamento individual a partir do qual qualquer procura de aperfeiçoamento
seja injustificada? Não, obviamente não. De facto, o adulto está, face à
criança, numa posição absolutamente privilegiada para proceder à constante
reestruturação significativa da experiência que constitui a educação. Por um
lado, o adulto dispõe de um manancial de experiência que nenhuma criança
possui; por outro, beneficia de uma integração social que lhe fornece muitas
mais oportunidades de reorganização reflexiva da mesma. A educação, na sua
aceção plena, é um conceito que parece muito mais talhado para os adultos do
que para as próprias crianças.
Apliquemos, portanto, a definição operativa de Dewey
àquilo que eu e o meu formando tínhamos vindo a fazer ao longo das sessões de
formação. Reconstrução e reorganização da experiência? Sem dúvida: todos os
formandos tinham já um conhecimento estruturado da língua inglesa
(experiência); recordando construções linguísticas, enquadrando conhecimentos
novos e mobilizando-o com vista à sua aplicação em novos contextos os formandos
reconstruiam e reorganizavam a sua experiência. A aplicação profissional
daquilo que aprendiam, bem como a simulação de situações concretas de
utilização da língua inglesa acrescentava ao significado experiencial daquilo
que ali estávamos a fazer. Quanto à potenciação da capacidade de controlar a
experiência subsequente, a simples aquisição de uma competência tão
determinante como o domínio da língua oficial do mundo dos negócios fala por
si. E falar, já se sabe, é existir. Penso, portanto, poder assegurar ao
formando que o que andamos a fazer é mesmo educar-nos.
Bibliografia:
DEWEY, John (2011). Democracy and
Education. New York: The Free Press
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