notas de campo de um formador

sábado, 22 de outubro de 2011

A caixa de ferramentas



          Num artigo publicado no P3, suplemento online do Público, Joaquim Luís Coimbra, professor na Faculdade de Psicologia da Universidade do Porto, analisa os desafios que atualmente se colocam à universidade, sob o pano de fundo de uma discussão sobre o plágio (http://p3.publico.pt/node/1160). Segundo o autor, o plágio deve ser visto à luz das alterações profundas que têm afetado a universidade nas últimas décadas, principalmente aquelas que estão relacionadas com a entrada maciça de alunos e a submissão às leis de mercado. A primeira acabou com um certo elitismo que era a marca da universidade até há pouco tempo; a segunda tem-na submetido a um processo de “ funcionalização, proletarização e instrumentalização” que a esvazia da sua substância. Ambas, segundo o artigo, podem explicar a generalização do plágio.
           A partir disto poder-se-ia certamente partir para amplas reflexões. Muitos sentir-se-iam tentados a explicar o plágio como uma manifestação de uma tendência portuguesa para o desenrasque, e até a louvá-lo enquanto tal.  Outros, numa linha mais culta, relativizariam o plágio, procurando demonstrar que pedir emprestado é uma prática cultural consagrada desde que os romanos plagiaram os gregos em tudo exceto no Direito. Outros simplesmente atirar-se-iam ao facilitismo generalizado e à preguiça reinante. O artigo abre, no entanto, linhas de análise muito mais interessantes, e passíveis de generalização ao universo formativo para lá da universidade.
           De facto estabeleceu-se, a par da teoria das competências e em boa medida como uma sobre-simplificação da mesma, a retórica da caixa de ferramentas. Segundo esta lógica, os desafios colocados ao indivíduo são passíveis de resolução com recurso a uma série de expedientes imediatistas e facilitistas, sem que o sujeito tenha verdadeiramente de se debruçar sobre a natureza efetiva do problema. Tudo se resolve, desde que se possua a tal caixa de ferramentas. Daqui resulta uma perversão generalizada de meios e fins, que apenas cria mais desorientação e alienação. A lógica capaz de levar um estudante a pensar que o grau, e não o conhecimento, é o objetivo de um curso é a mesma que subjaz a outras mistificações da atualidade, das quais o autor do artigo cita duas diretamente relacionadas com a formação: “a retórica da empregabilidade” e a “leviandade do empreendedorismo incondicional”. Ou seja, a ideia de que a universidade (ou a formação) é o sítio onde se vai comprar essa milagrosa caixa de ferramentas.
         A teoria da caixa de ferramentas é especialmente perniciosa porque aliena os sujeitos dos fins últimos das suas ações. E ao transformar as pessoas em meros executantes de tarefas superiormente escolhidas priva-as do poder transformador que constitui o cerne da democracia. A capacidade crítica de se colocar diante do mundo, de o analisar e de se empenhar em meios de o transformar não vem, de facto, em nenhuma caixa de ferramentas. Estamos condenados, mesmo, a ter de puxar pela cabeça.