Regresso à questão do plágio. Para quem estuda, ou já estudou, ou se
relaciona de perto com esse mundo, a questão do plágio é um tema recorrente. Para
quem se aventura na escrita de uma tese (ou dissertação, como agora se diz), a
sombra do plágio pode assumir proporções obsessivas, chegando-se mesmo a temer a
coincidência com ideias que alguém que nunca tenhamos lido possa ter tido. Ao
invés, e na maior parte dos casos, a cópia de umas coisas de uns sites escritos em português do Brasil,
tida por alunos de secundário (e, por vezes, do superior) como coisa
corriqueira e digna de pouca nota, acaba por minar a vontade de qualquer
professor de imprimir à sua lecionação qualquer margem de liberdade e
criatividade. A fraude académica é, de facto, um problema. Convém, portanto,
perspetivá-lo.
O plágio é um grande
aborrecimento essencialmente porque mina a confiança necessária a qualquer relação
pedagógica. Sabendo nós como o ato pedagógico constitui o início de tantos
desenvolvimentos ulteriores na vida do cidadão em sociedade, e tendo em conta o
estado já muito precário da confiança que resta neste mundo, é fácil pelo menos
entrever as consequências a médio e longo prazo do plágio. Para que serve,
perante um empregador, um diploma fraudulento? Para que serve, antes de mais,
ao próprio possuidor desse diploma? Que imagem tem de si própria e da sociedade
uma pessoa que passa pelos diversos níveis de ensino ludibriando os
procedimentos conducentes à realização do único objetivo desses mesmos sistemas
que (ainda) é (penso eu, pelo menos) aprender?
No entanto, há muito
a dizer sobre o plágio. Penso que é importante analisar o fenómeno, uma vez que
será muito difícil combatê-lo sem o compreender. Isto, claro, se for efetivamente possível combatê-lo.
De facto parece-me, por vezes, que não: a ligeireza com que se naturalizou, em
contextos pedagógicos, a ideia da pesquisa
na internet é um bom exemplo. O termo pesquisar
traduz muito mais do que uma simples recolha de informação: pesquisar aproxima-se mais de investigar, de indagar, de analisar. E,
no entanto, a simples apresentação de informação não tratada, através de meios
que possibilitem um rápido arranjo da mesma com recurso a templates já feitas, satisfaz a generalidade das pessoas. Marshall
McLuhan, um pensador dos meios de comunicação, dizia que o meio é a mensagem. Penso que os modernos
alunos e estudantes se aproximam muito do radicalismo bacoco e bem-sonante
deste pensador quando se obcecam com os PowerPoints arranjadinhos que não dizem
nada. A ditadura da forma sobre o conteúdo manifesta-se quando, por exemplo,
num trabalho de grupo se passa mais tempo a discutir cores, fontes e tamanhos
do que ideias; ou quando, nas aulas finais de uma cadeira, somos sujeitos ao
infindável suplício dos slides eternos. Na Suíça surgiu, há uns tempos, um
partido anti-PowerPoint: creio que qualquer pessoa votaria neles após um
congresso ou uma apresentação de trabalhos de grupo.
Mas há coisas mais preocupantes, e desafios bem
maiores que se colocam ao professor ou formador. Por exemplo: como explicamos a
um formando que inicia a aprendizagem de uma língua estrangeira que escreve um
texto na sua língua materna e o traduz depois para a língua que está a estudar no
Google Translator que esse procedimento simplesmente não é aceitável? É óbvio
para qualquer pessoa que assim não aprenderá nada: é-o, inclusivamente, para o próprio
formando. Entra aqui, no entanto, a influência de um certo discurso legitimista
das tecnologias, uma espécie de fundamentalismo das TIC, que diz: se os
instrumentos existem, porque não utilizá-los? Mesmo quando as pessoas sabem que
o que fazem, além de não as beneficiar do ponto de vista da aprendizagem, é
fundamentalmente errado, há uma cultura generalizada da rapidez distraída que
lhes permite facilmente resolver esses conflitos morais. Faz parte, afinal,
dessa nebulosa geral da Pós-modernidade: o paradigma cultural em que vivemos substituiu
a contemplação atenta como forma primária de consumo cultural pela distração
breve. Vivemos, essencialmente, na sociedade dos três minutos: tudo aquilo cuja
duração ultrapasse este espaço temporal é-nos penoso. As canções que ouvimos
duram três minutos; o zapping não permite mais do que três minutos por canal (e
isto é um zapping excecionalmente lento); os jornais entretêm-nos de uma
estação de metro a outra; um monumento leva sensivelmente esse espaço de tempo a
fotografar. Para lá desse tempo as pessoas limitam-se a utilizar os meios
abreviadores de tarefas de que dispõem.
Há uma outra característica da Pós-modernidade que
poderá constituir parte da base, digamos, teórico-filosófica desta prática.
Lembro-me que o meu livro de Português do 10.º ano sugeria sempre, a propósito
dos autores a estudar, hipertextos. Perante um poema de Cesário Verde sugeria,
por exemplo, o À une Passante de
Charles Baudelaire. O hipertexto, ou a leitura em hipertexto, é uma forma
corrente de leitura atual: a experiência de ler na web processa-se
essencialmente assim. O hipertexto é muito mais antigo do que isso, no entanto:
ele constitui, dir-se-ia mesmo, uma característica essencial da cultura. A cultura
é um eterno jogo de variações. A palavra-chave é esta: variação. A cópia de
algo que já existe, só por si, não constitui uma variação: não acrescente nada
ao que já conhecemos. Uma variação é algo que, na revisitação de uma determinada obra, produz algo que, ainda que semelhante, é fundamentalmente diferente: Ulysses, de James Joice, não é
certamente um plágio da Odisseia de Homero. Simplesmente desde o
desenvolvimento da web 2.0 e da consequente explosão de conteúdos produzidos
pelo utilizador, o hábito de reproduzir e partilhar conteúdos tem-se
generalizado. Não é raro, ao investigar um determinado assunto, dar com o mesmo
artigo republicado em vários blogues, por exemplo.
Perante estes argumentos deixo duas músicas para ouvir
e refletir. A pergunta é simples: o All
by Myself da Celine Dion (originalmente escrita e interpretada por um tal
Eric Carmen e entretanto cantada por muita, mas mesmo muita gente) é um plágio
do segundo andamento do Concerto para Piano N.º 2 (Adagio Sostenuto) do
compositor russo Sergei Rachmaninoff? Alerto para o facto de Rachmaninoff ter
morrido em 1943 (o que inviabiliza que tenha sido este a inspirar-se na cantora
canadiana, bem como para os possíveis efeitos nefastos de ouvir baladas dos
anos 90 sem proteção auditiva adequada.